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Reportagem

Uma editora para todas as músicas do mundo

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Revista Concerto – 14/08/2023

por João Marcos Coelho

O compositor brasileiro Leonardo Silva talvez não imaginasse, em janeiro passado, que teria um ano tão fulgurante. 2023 começou em fevereiro, quando Lume, para orquestra, foi primeiro prêmio, entre 250 obras, do concurso de composição da Basileia, na Suíça. O júri supergabaritado contou com nomes como Michael Jarrell, Toshio Hosokawa e Luca Francesconi.

Seis meses depois, neste mês de agosto, ele lança uma editora de sonhos de todo mundo que toca, canta e/gosta de música. A Zain, com sede em Belo Horizonte (ele nasceu lá, 33 anos atrás), começa em grande estilo, com dois lançamentos caprichados: o curto e encantador Todas as manhãs do mundo, de  Pascal Quignard; e Leopold, do romancista e violoncelista gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil.

O francês constrói uma delicada trama a partir da amizade entre dois gambistas históricos do século XVII francês: Monsieur de Sainte-Colombe (1640-1693) e Marin Marais (1656-1728). O livro de 1991 logo virou filme no mesmo ano, e com roteiro a quatro mãos de Quignard com o cineasta Alain Corneau. O sucesso planetário foi instantâneo: além do show de Gérard Depardieu, quem o dublou na música foi simplesmente Jordí Savall, que a partir deste êxito construiu sua independência financeira e montou em 1998 a gravadora Alia Vox e vários grupos de música antiga, todos sediados na sua querida Barcelona. Dois anos depois, em 1993, a Rocco lançou o livro por aqui, edição hoje esgotada a vendida em sebos por quase R$ 300 reais. Pois a Zain o traz de volta em edição primorosa e por R$ 55.

Assis Brasil, ex-violoncelista da Ospa, sempre manteve a paixão pela música como um dos eixos centrais de seu universo como escritor. Ao todo, 19 romances e os prêmios mais importantes, como Oceanos e Jabuti. Pois ele consumiu os últimos quatro anos em pesquisas minuciosas sobre a relação de Leopold com seu filho-prodígio Wolfgang. Como conta no divertido posfácio que alerta “para ser lido antes”, foi várias vezes a Salzburgo, visitou os lugares em que pai e filho músicos viveram. Do alto de sua larga experiência, ele adota o ponto de vista do pai, muitas vezes acusado de explorar o filho-prodígio, para clarear a relação entre ambos. Não é uma biografia de Leopold Mozart, mas uma apaixonante novela, em que o autor, depois de anos de pesquisa e muita reflexão, traz-nos o que poderia ter sido esse ser humano e artista que experimentou a ventura e a angústia de ser pai de um gênio inconteste da arte.

De volta a Leonardo Silva. Ele diz que a editora é interessada em editar tudo que remeta à música. Uma olhada nos próximos lançamentos comprova isso. Na Zain cabem, por exemplo, textos teóricos e de caráter mais musicológico, como A ideia da música absoluta, de Carl Dahlhaus, e Introdução à estética musical, de Mário de Andrade. Mas também A música cubana, do fabuloso escritor Alejo Carpentier (que também terá dois de seus romances mais “musicais” em novas traduções: A sagração da primavera e Os passos perdidos).

Outra bússola de Leonardo é abraçar a música como um todo, sem limites de gênero. Assim, proximamente sairá uma  biografia de Bob Dylan.

De vez em quando estes momentos virtuosos acontecem por aqui. Este é um deles. Aliás, não só um, mas dois que se superpõem virtuosamente. Impressiona muito a consolidação da carreira de Leonardo Silva como compositor, pois a partir do prêmio conquistado por Lume muitas outras portas vão se abrir para ele. O segundo momento virtuoso é este, do lançamento da Editora Zain.

Por isso, convoco vocês – músicos e melômanos (a palavra é feia, mas é esta mesma) – para saudarmos juntos o talento brasileiro. Leonardo assistiu a seu primeiro concerto da música dita clássica em 2008 – era o primeiro da então recém-criada Filarmônica de Minas Gerais com Fabio Mechetti. Leonardo estava com 18 anos, começava o curso de engenharia. Nos últimos 15 anos, acrescentou a música como sua segunda razão de viver, mudou-se em 2013 para a Alemanha, estudou música e rapidamente se impõe como um compositor que precisa ser seguido, pela qualidade de suas obras, como Lume.

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